domingo, 28 de novembro de 2010

Livro Ponte dos sonhos

Foi distribuído na feira de Frankfurt , na Alemanha, um livro, um tanto polêmico, chamado Ponte dos sonhos, organizado pela escritora e poetisa Izabelle Valladares.
Contistas, cronistas e poetas brasileiros, alguns iniciantes e outros profissionais já conhecidos no meio literário, o que na minha opinião, é um ato de grande coragem, pois os mais experientes sempre se acham profissionais demais para dividir o mesmo espaço com iniciantes, o que não funciona bem desta forma.

Quando comecei a ler o livro, que é um livro confeccionado pela gráfica Anjo, sob a edição da própria organizadora, achei que encontraria poesias simple e contos e crônicas sem critérios de avaliação, mas o que encontrei foi uma obra de temas livres, leves, de dinâmica de fácil entendimento e poesias livres cheias de estilo e sensibilidade , fazendo o que muitas vezes o governo não é capaz de fazer, exportar a verdadeira veia artística brasileira.
Se olharmos o livro pelo parâmetro gramático, vamos encontrar algumas falhas, mas nada que comprometa o trabalho dos artistas ou da organização, principalmente, sendo este o primeiro trabalho e tendo sido organizado sob forte pressão crítica e da mídia, á organizadora, mas se olharmos o livro no parâmetro qualidade artística, vamos encontrar uma vasta lista de poetas e escritores de primeira qualidade que foram "garimpados" pela organização, e organizados de forma a levar ao leitor um livro "raro", sem fazer julgamentos ou citar nomes, todos os autores da obra estão de parabéns, belíssimos trabalhos que nos transportam a sensibilidade de cada artista e de cada poema.
Falando de poesias,  existem parametros criados e o mundo poético é dividido  em estilos. Julgam-se poemas de boa qualidade aqueles que atendem a exigência criada por estes estudiosos. Nela são considerados vários fatores, inclusive, rima, língua culta e muitas outras.

A poesia sem estilo (que não se encaixe em sonetos, e outros estilos), ou seja, que não tenha qualquer estilo pré concebido, é a poesia livre. Aquela que viaja apenas pela descrição de um sentimento que nos invade e nos faz escrever, como se conseguissemos perpetuar um momento ou pensamento que julgamos nos sufocar, seja de alegria, tristeza, paixão, amor ou apatia.
Esse tipo de prosa poética não tem regras, e por isso, não há como julgá-la. É como julgar o poeta, e cada pessoa é um ser único, não pode existir uma única maneira de ver á tudo e a todos. 

Parabéns aos participantes desta maravilhosa obra e a escritora izabelle Valladares , não só pela criação deste trabalho, mas, pela persistência no mesmo, que muitos outros possam vir a encantar leitores do mundo inteiro.

Lúcia Fakouri






sábado, 27 de novembro de 2010

Poeta Eucanaã Ferraz

Eucanaã Ferraz nasceu no Rio de Janeiro, em 1961. Publicou, entre outros, os livros de poesia Martelo (Rio de Janeiro, Sette Letras, 1997), Desassombro (Famalicão, Quasi 2001; Rio de Janeiro, 7 Letras, 2002 - Prêmio Alphonsus de Guimaraens, da Biblioteca Nacional, melhor livro de poesia de 2002), Rua do mundo (São Paulo, Companhia das Letras, 2004) e Cinemateca (São Paulo, Companhia das Letras, 2008). Organizou, entre outros, Letra Só, seleção de letras de Caetano Veloso, editado em Portugal (Famalicão, Quasi, 2002) e no Brasil (São Paulo, Companhia das Letras, 2003), o volume de Poesia completa e prosa de Vinicius de Moraes (Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 2004) e a antologia Veneno antimonotonia (Rio de Janeiro, Objetiva, 2005) e O mundo não é chato, livro de textos em prosa de Caetano Veloso (São Paulo, Companhia das Letras, 2005). É professor de Literatura Brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

























Collage 1, Andrew Topel, Rushville, IL - USA


TRAÇO

Por vezes, não raro,
basta um gesto, sua borracha,
um quase nada de alvaiade,
um rasgo e só.

No entanto, o carvão
de certas palavras,
de alguns nomes,
não se apaga fácil.

Afogá-lo, inútil:
o maralto traz
de volta cada sílaba
em sal fortalecida.

Enterrá-lo? Logo renascerá:
árvore alta, trigo, praga.
No fogo, irrompe a letra,
inda mais sólida liga.

Há que esperar do esquecimento
o dente miúdo
e lento roer a nódoa na língua,
o travo no peito.









Obra de Beatriz Milhazes


A LEITORA

Ali está ela, atenta.
Mas, repara: lê

como se levitasse.
O escrito pouco importa.

É como se não lesse. Imagine:
uma língua tão estrangeira

que ela não reconhecesse,
não soubesse qual e,

serena, não dá por isso.
Ou mais que:

não lê. Vê
as páginas,

como se da janela
a paisagem

e pousasse os olhos
na orla das páginas

sem saber
onde vão as palavras.

Frui, tão-só,
a pele, o almíscar,

a árvore
que o livro foi um dia.











Obra de Beatriz Milhazes


VERDE-CLARO

Coroa, manto, brasão
e cetro, pousa.

Minúsculo,
só, nenhum exército.

Seu domínio: o ar,
onde governa em silêncio.

Não sei que nome tem,
insigne inseto,

senhor de toda beleza.
Chamem-no alteza.










Obra de Beatriz Milhazes


O ATOR

Pensei em mentir, pensei em fingir,
dizer: eu tenho um tipo raro de,
estou à beira,

embora não aparente. Não aparento?
Providências: outra cor na pele,
a mais pálida; outro fundo para a foto:

nada; os braços caídos, um mel
pungente entre os dentes.
Quanto à tristeza

que a distância de você me faz,
está perfeita, fica como está: fria,
espantosa, sete dedos

em cada mão. Tudo para que seus olhos
vissem, para que seu corpo
se apiedasse do meu e, quem sabe,

sua compaixão, por um instante,
transmutasse em boca, a boca em pele,
a pele abrigando-nos da tempestade lá fora.

Daria a isso o nome de felicidade,
e morreria.
Eu tenho um tipo raro.










Obra de Beatriz Milhazes



PAISAGEM PARA ANNA AKHMÁTOVA

O corpo, ainda corpo,
sabe de cor
a dor. Dizer adeus,
carpir, esconder,
bater palavras contra o muro.
Ruas de São Petersburgo
sob a neblina - o corpo
sabe de cor
onde se morre.
Mas, por entre o estridor
de soldados e funcionários,
cava uma saída:
o próximo poema
(promessa de delicadeza e silêncio)
- ouve cantar uma cereja.









Obra de Beatriz Milhazes



CABAL

Desabotoa-se por fim a cena
que se desenhava no baço
da janela do sonho (o sonho
é uma espécie de vidraça?)

e tudo o que se realiza vive
da necessidade, agora que
o motor do instante se agita
e vibra sua perfeição. Enfim,

vem à luz a experiência que
se vinha elaborando no laboratório
de algum andar do sonho (o sonho
é uma espécie de edifício?):

o mar nasce de amar, e águas
sem margem usurpam a cidade,
arrastam inocentes. Os amantes
gozam, é justo que seja assim.









Obra de Beatriz Milhazes


PRESTO

Os dias despencam
aos pedaços. Logo será janeiro.

Posso farejar o amarelo das amendoeiras
de então (amarelas como teu cabelo)

e a praia, os bares, a ferrugem, nossas costas
e braços liquefeitos. Tanto faz a solidão,

a companhia: tudo são doenças tropicais,
incuráveis. O verão virá, forasteiro,

no vôo tonto, nupcial dos cupins
em volta das lâmpadas. Janeiro

está próximo, pressinto seu peso, a alegria,
o tremor, a sezão, o óleo,

a girândola veloz dos relógios
a nos golpear no ventre. Girassóis

em bando assestarão suas lâminas
em direção aos táxis

enquanto os rios, erráticos, desaguarão
à porta dos edifícios da Senador Vergueiro.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Poemas de Pablo Neruda



Querer (Pablo Neruda)

Não te quero senão porque te quero
E de querer-te a não querer-te chego
E de esperar-te quando não te espero
Passa meu coração do frio ao fogo.
Te quero só porque a ti te quero,
Te odeio sem fim, e odiando-te rogo,
E a medida de meu amor viageiro
É não ver-te e amar-te como um cego.
Talvez consumirá a luz de janeiro
Seu raio cruel, meu coração inteiro,
Roubando-me a chave do sossego.
Nesta história só eu morro
E morrerei de amor porque te quero,
Porque te quero, amor, a sangue e a fogo.

Nos Bosques, Perdido (Pablo Neruda)

Nos bosques, perdido, cortei um ramo escuro
E aos labios, sedento, levante seu sussurro:
era talvez a voz da chuva chorando,
um sino quebrado ou um coração partido.
Algo que de tão longe me parecia
oculto gravemente, coberto pela terra,
um gruto ensurdecido por imensos outonos,
pela entreaberta e úmida treva das folhas.
Porém ali, despertando dos sonhos do bosque,
o ramo de avelã cantou sob minha boca
E seu odor errante subiu para o meu entendimento
como se, repentinamente, estivessem me procurando as raízes
que abandonei, a terra perdida com minha infância,
e parei ferido pelo aroma errante.
Não o quero, amada.
Para que nada nos prenda
para que não nos una nada.
Nem a palavra que perfumou tua boca
nem o que não disseram as palavras.
Nem a festa de amor que não tivemos
nem teus soluços junto à janela...

Pablo Neruda

Para meu coração teu peito basta,
para que sejas livre, minhas asas.
De minha boca chegará até o céu 
o que era adormecido na tua alma.
Mora em ti a ilusão de cada dia
e chegas como o aljôfar às corolas.
Escavas o horizonte com tua ausência,
eternamente em fuga como as ondas.
Eu disse que cantavas entre vento
como os pinheiros cantam, e os mastros
Tu és como eles alta e taciturna.
Tens a pronta tristeza de uma viagem.
Acolhedora como um caminho antigo,
povoam-te ecos e vozes nostálgicas.
Despertei e por vezes emigram e fogem 
pássaros que dormiam em tua alma.

Pablo Neruda

Já és minha. Repousa com teu sonho em meu sonho.
Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora.
Gira a noite sobra suas invisíveis rodas
e junto a mim és pura como âmbar dormido.
Nenhuma mais, amor, dormirá com meus sonhos.
Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.
Nenhuma mais viajará pela sombra comigo,
só tu, sempre-viva, sempre sol, sempre lua.
Já tuas mãos abriram os punhos delicados
e deixaram cair suaves sinais sem rumo,
teus olhos se fecharam como duas asas cinzas.
Enquanto eu sigo a água que levas e me leva:
a noite, o mundo, o vento enovelam seu destino,
e já não sou sem ti senão apenas teu sonho.